quinta-feira, 28 de setembro de 2017

FM-13- EXERCÍCIOS E LITURGIA



CAPÍTULO 4 DA 3ª PARTE: EXERCÍCIOS E LITURGIA


“Eu lhes comunicarei simplesmente algumas reflexões sobre o quadro de nossa vida de oração, que comporta alguns exercícios e orações litúrgicas”.


Exercícios: todos os meios organizados com o fim de servir de apoio a uma vida de oração comunitária ou individual. Somos muito sóbrios nessa matéria. Alguns exemplos de exercícios: o Angelus, o Veni Creatur, a leitura do Evangelho, as orações antes e depois das refeições, a leitura espiritual, o terço, o exame de consciência diário, a bênção do Santíssimo, as ladainhas do Sagrado Coração.

A Missa e o Ofício Divino não são exercícios: eles são o próprio culto litúrgico. Não considero a hora de adoração um exercício, porque é, em princípio, oração pura.



OS EXERCÍCIOS

“Suscitam problemas em nossa vida”, embora para alguns são um auxílio quase indispensável para sua vida interior, mas para outros, em graus diversos, um peso que os constrange e os esmaga às vezes, e os acabam dispensando com demasiada facilidade, e às vezes erroneamente.

É difícil integrar os exercícios numa vida de contato com as pessoas, conciliando-os com a caridade, ministério e trabalho.

Quais as causas desse problema, que às vezes causa mal-estar para algumas pessoas?



ALGUNS PRINCÍPIOS

“Os exercícios de piedade não são a perfeição e nem mesmo os elementos dela.” Não são a oração, ma meios para a oração. Pode haver uma vida cristã perfeita mesmo sem os exercícios de piedade, mas o mesmo não se pode dizer da oração, que como já dissemos, não é um exercício.

Um método determinado de meditação é um exercício, mas subordinado a ela. As orações vocais não litúrgicas não são exercícios, se brotam espontaneamente de nosso coração, sem nenhuma forma imposta. Para muitas pessoas, a oração vocal faz parte de sua oração propriamente dita, mas para quem goza da contemplação não é indispensável. “Pode existir em certos casos uma profunda vida de oração sem que esta sinta a necessidade de traduzir-se em palavras exteriores”

Nem Cristo nem a Virgem se utilizaram de meios de oração. “ As orações vocais foram para eles a expressão espontânea de sua oração. Ex: a oração de Jesus depois da Ceia e a da agonia e o “Magníficat” de Maria. Eles participaram, é claro, da oração litúrgica judaica.

Nos primeiros séculos do cristianismo não se usavam os exercícios como hoje. “Procurava-se, de um modo mais direto, a oração e a prática das grandes virtudes”, como se vê na espiritualidade dos Padres do deserto, que se desenvolve livre e largamente conforme o ritmo das horas do Ofício, que toma, por si só, o lugar de exercício.

O conjunto de regras de conduta e de direção se tornaram, para os noviciados e demais etapas da vida espiritual, uma ciência da ascese e uma arte da direção espiritual. No começo, entretanto, os processos eram largos, flexíveis, tornando preponderante o papel do mestre ou do abade.

“A noção de exercício, no sentido atual, só aparece nitidamente a partir do século 16”, a “idade 'reflexa' da espiritualidade (...) Um exercício perde o seu valor quando não está mais perfeitamente adaptado ao fim para o qual deve conduzir, que se constata pelo nascimento de necessidades novas, por uma certa transformação da psicologia ou do temperamento, pelo nascimento de uma nova espiritualidade e também pelo abuso que se fez no emprego desses exercícios. “ A importância e a proliferação dos exercícios parece aumentar à medida em que a gente se afasta da origem.”

Eles foram usados por S. Francisco, S. Domingos, Sto Inácio,mas que não abusaram deles. “Há, aliás, em todos os santos, um florescimento de vida e de caridade que prescinde de regras, ou pelo menos, as ultrapassa, utilizando-as”. O século 17 foi a época por excelência dos exercícios. Nessa época a vida espiritual sai dos claustros para espalhar-se pelo mundo, ao mesmo tempo em que os exercícios se desenvolvem.

No século 19 há uma proliferação e abuso deles, mas não se acha essa tendência em santos como o Cura D' Ars, Santa Teresinha de Lisieux, São João Bosco.

Não se pode, pois, confundir a perfeição cristã e religiosa, ou a vida de oração, com os exercícios de piedade, que são apenas um instrumento delas.



OS CRITÉRIOS EM RELAÇÃO AOS EXERCÍCIOS

O valor do exercício está em poder produzir em nós uma vida de oração e facilitar a aquisição ou a prática das virtudes cristãs. Mas devemos “evitar erros em sentido oposto e levar em conta o fato de que certos exercícios são o fruto e como que o termo de uma longa experiência ascética da vida religiosa.” Há erro tanto no suprimir como no se agarrar a este ou àquele exercício, ou por motivo de que não corresponde mais às nossas necessidades, no primeiro caso, ou por se achar que a perfeição esteja ligada a ele, no segundo caso.

Distinguir a import ância relativa dos exercícios: hierarquizar seus valores. Isso não se faz a priori, mas pela sua necessidade e eficácia. “que variarão não somente segundo os casos individuais, mas, por um mesmo religioso, segundo os dias e as circunstâncias.

São como os andaimes e as escoras das construções: se os retirarmos no começo, o trabalho fica inacabado. Se os retirarmos numa determinada altura da construção, esta desaba. “Enfim,completa e solidamente terminado o edifício, esse não poderá adquirir todo o seu valor nem receber certos embelezamentos se não forem tirados todos os andaimes”. O mesmo devemos fazer com os exercícios de piedade: “Cada caso deve ser resolvido concretamente por si mesmo, com muita prudência (...) Não há receita nem solução fácil”. Se os utilizarmos “como uma receita ou um quadro uniforme e invariável de formação (...) chegamos a resultados opostos ao que procurávamos: esmagamos certas almas, provocamos formalismo, barramos o crescimento espiritual”.

Eis alguns princípios que nunca devemos esquecer:

-não apreciem o valor verdadeiro de um de seus dias pela simples fidelidade material aos exercícios;

-nunca se permitam julgar os outros nessa matéria;

-não cedam à tentação e avaliar a perfeição dos outros pela dose de exercícios de que são capazes e que, de fato, praticam.

De modo geral, quanto mais alguém “progride na vida espiritual, menos necessidade tem ela de exercícios. Na medida em que alguém se encontra sob a moção do Espírito santo, nessa mesma medida os exercícios lhe são inúteis. Podem, em certos casos, ser até um estorvo e constituir um verdadeiro obstáculo á oração.” Este último caso é muito raro.

Podemos nos iludir com os exercícios. Eles só nos são úteis se produzirem em nós uma verdadeira oração e um crescimento de amor. Nunca ser ele suportado passivamente, para não acabarmos numa vida interior verdadeiramente pobre.

Muitos religiosos e religiosas ficam completamente desorientados quando saem de seu quadro habitual depois de anos de vida no convento: sem verdadeiro espírito de oração e sem virtudes interiores profundas, num grande vazio interior. São pessoas que se iludiram, pensando terem uma vida interior “ que na verdade só existia muito fracamente.”

Outros se sentem muito incomodados por terem sido interrompidos em algum exercício, para um dever de caridade, e até ficam tristes e mal-humorados! Quando o exercício puder ser adiado, não há perigo algum interrompê-lo!

Entretanto, esse mal-estar pode ter provindo de um “deslocamento” íntimo por essa irregularidade. Não podemos colocar perfeição onde ela não está (no caso, no exercício).

Nesse caso “há uma educação interior que é preciso ser feita e é preciso ensinar a essa pessoa” (que fica nervosa por ter sido interrompida, por dar excessivo valor ao exercício) “a procurar Deus mais diretamente”.

Outra ilusão é achar que se pode facilemnte dispersar-se dos exercícios. A pessoa não se organiza. Às vezes pode ser medo da oração, e por isso se refugia até inconscientemente na atividade. “Cabe a cada um ver claramente e ser leal consigo mesmo. Não deixar o exercício por já achar-se contemplativo. “A pedra de toque será sempre a oração, a fidelidade e a coragem na oração”.

“Se a pessoa falta facilmente demais à oração, se não chega a entregar-se a ela, a situação é grave.” Nesse caso, é preciso ser fiel aos exercícios e a uma leitura espiritual apropriada e bem feita, para haver uma correção de atitude.

Certos exercícios feitos numa Fraternidade têm valor como uma manifestação de fé ou de oração em comum, valor ao qual Deus dá uma real importância (“onde dois ou mais estiverem reunidos em meu nome, aí estarei”). A liturgia tem um valor comunitário próprio, mesmo para as pessoas num devido estágio de vida interior.



DIRETIVAS PRÁTICAS

Ser sempre verdadeiros. Que a oração vocal seja expressão de alguma coisa. Nada de formalismos. Verdadeiros no modo de ler o Evangelho ou um autor de espiritualidade. Que o método de leitura seja frutuoso e corresponda às necessidades atuais.

Aproveitar as ocasiões em que não se pôde ir ao exercício comunitário para fazê-lo em particular. No Ângelus, por exemplo, façamo-lo como um ato mais pessoal de união à Santíssima Virgem e ao mistério da Anunciação. Pode-se mesmo substituir as palavras pela contemplação do mistério mencionado nessa oração. O mesmo quando não pudemos participar da bênção do Santíssimo Sacramento: aproveitemos “para provocar em nós uma atitude interior de adoração da Sagrada Eucaristia.

Quando por não termos tempo não pudemos fazer todos os exercícios previstos, se isso não for algo habitual, isso não tem importância em si. O que conta é o resultado. “O que é preciso tomar cuidado, nessa matéria, é de não nos acostumarmos a nos abster de um exercício que nos é necessário.

Podemos fazer “dois minutos de oração, a mais ardente possível, em união com a Santíssima Virgem”, se não tivermos tido tempo de rezar o terço antes de deitar. “O resultado obtido será, às vezes, superior ao terço recitado por rotina”.

Se o mesmo acontecer com uma leitura espiritual, podemos substituí-la pela meditação de alguns versículos do Evangelho ou uma máxima de São João da Cruz feita com mais atenção. É trocar a “quantidade” pela qualidade.

Se a Santa Missa, a hora de adoração e o contato de alguns minutos com o Evangelho forem praticados diariamente, não precisamos nos preocupar se uma parte dos exercícios for sacrificada, desde que consagremos o tempo que dispomos “tendo em conta unicamente o que é mais útil à alma conforme as circunstâncias do momento”. Para isso, estabelecer para si mesmo uma hierarquia de importância entre os exercícios, que pode variar de um dia para o outro: uma leitura espiritual, uma leitura do Evangelho, o terço, ou mesmo um instante de pura oração.

Não se enervar pelo trabalho ou quando monopolizado pelo próximo. “Nossa união com Deus é coisa viva que não poderia depender tão estritamente de simples meios que muitos santos não tiveram à sua disposição. Sejamos sempre muito leais conosco. A verdadeira testemunha de nossa vida com Deus será a oração.” Entretanto, seria ilusão achar que não precisamos dos exercícios “para entreter nossa vida divina”. Nossa alma vai sendo “minada” aos poucos quando frequentemente a sub-alimentamos: acabamos espiritualmente desnutridos.

“Tornar os exercícios uma finalidade em si, sem pô-los ao serviço de nossa vida de caridade, acaba numa caricatura da perfeição(...). Pelo contrário, não saber usar os exercícios porque a gente os subestima, ou então por presunção, traria geralmente como resultado impedir que se atinja a um verdadeiro acabamento da perfeição”.

“Saibamos ver a finalidade, saibamos aproveitar corajosamente os meios de atingi-la e ponhamos tudo a serviço de uma fé profunda e de um grande amor. Devemos nos conhecer suficientemente para estarmos em condições de escolher os instrumentos que nos convêm”, como soube muito bem fazê-lo o Pe. De Foucauld.



O SERVIÇO DA LITURGIA EM NOSSA VIDA

“A liturgia se apresenta para nós como mais particularmente expressiva de nossa vida eucarística de salvador: ela nos faz penetrar na oblação e na oração redentora do Cristo. Reduz-se, para nós, àq Missa e ao Ofício divino”.

Nossa vocação não consiste na solenização da liturgia, como para o Beneditino, nem na liturgia paroquial. “Nossa liturgia deve ser a expressão da oração da Fraternidade, mesmo se alguns fiéis vierem se juntar a ela. Isso lhe dá o caráter especial. 

Despojamento,simplicidade numa beleza e numa dignidade sempre almejadas, exprimindo verdadeiramente tudo o que é o ato litúrgico. Deve visar unir os Irmãozinhos em torno da Missa e da Eucaristia. É o coração de nossa vida e deverá ser sempre zelosamente salvaguardada”.

“Toda Fraternidade deverá ter um oratório, mesmo as menores e as mais pobres.”

O Ofício Divino não deve ser considerado como um exercício. Ele é o louvor oficial do Corpo Místico de Cristo a Deus. É para Deus, e não para nós, em primeiro lugar. Obra totalmente gratuita, inspirada e dirigida pelo Espírito Santo em sua ordenação.

“Deve-se ir a ele com o pensamento de que se vai tomar parte numa obra de louvor que nos ultrapassa.” Tornamo-nos assim um instrumento da Igreja. A oração litúrgica é o prolongamento do Sacrifício Eucarístico. Não buscar apenas apenas o aproveitamento espiritual: oferecemo-nos, sacrificando-nos, de um modo real.

Os salmos são a expressão da Igreja toda. Oração que vai além do tempo presente. Essa súplicas, apelos à justiça, queixas etc, são sempre verdadeiros na Igreja. Os salmos continuam verdadeiros através de todas as gerações humanas. “Caberá a vocês entrarem nessa imensa oração, com respeito e conscientes de cumprirem uma tarefa.”

Não procuremos o próprio interesse, nem busquemos um motivo utilitário no que diz respeito ao culto de Deus. O ritmo de oração comuns da Fraternidade não deve ser uma sobrecarga, mas uma verdadeira respiração para a alma. “Num quadro de oração importa mais a qualidade do que a quantidade.”

O Ofício foi dividido em horas por causa das necessidades dos religiosos cenobitas ou anacoretas dos primeiros séculos: adaptação à sua finalidade. Era um ritmo de vida simples, muito perto das necessidades de seu trabalho cotidiano.

Os religiosos se reuniam duas vezes por dia: antes da aurora (noturnos+laudes, primeiros clarões da madrugada) e, à tarde, ao pôr do sol (vésperas). Pelo resto do tempo o monge se entregava às suas ocupações cotidianas e à oração = ficar todo o tempo em presença do Senhor = “Vigiai, pois, orando sem cessar” (Lc 21,36), “Orando continuamente em espírito” (Ef. 6,18-19). “Não havia necessidade de outras orações vocais comuns durante o dia”. O trabalho do monge o levava às vezes para longe da igreja e de sua cela.

O agrupamento em mosteiros e o relaxamento da vida religiosa pediram reuniões mais frequentes: surgiram as horas do dia: terça, sexta, nona, de tradição judaica. Um perigo, constatado por Santo Epifânio, era o de que os monges, tendo horário determinado para a oração comum, “ tomassem o hábito de não mais rezarem sem cessar, em seu coração.”

As Primas e as Completas vieram mais tarde: primas no século sexto e completas no séculos oitavo e nono. É por isso que essas horas são ligadas muito menos à liturgia do dia.

“Se quisermos encontrar de novo para nossas Fraternidades um quadro vivo de orações é preciso reconsiderá-lo em função das condições reais da vida atual. É preciso observar que essas condições se encontram muitas vezes próximas, por outras razões, do ritmo de vida primitiva.

Laudes e vésperas enquadram o dia de trabalho, todos os irmãos estão reunidos, depois vem a hora da adoração no momento que melhor convém a cada um.

Matinas = nas vigílias de dias sem trabalho, em certas festas ou conforme permitir a vida de trabalho dos irmãos, mais frequentemente.

Só depois disso é que virão as outras horas menos importantes: completas = antes de deitar, se as vésperas tivessem sido mais cedo. O resto do dia: ritmo largo, sem a sobrecarga do Ofício em comum.

Esforço de cada um = união a Deus e ao exercício de amor para com o próximo da maneira que melhor convenha.



“Os padres deverão adaptar a obrigação da recitação de todo o Ofício a esse ritmo de vida: isso será sempre possível”. Domingos e dias sem trabalho = ritmo do dia diferente. “Não é multiplicando os exercícios em comum no centro de um dia consagrado ao trabalho que tornaremos a união a Deus mais real e mais fácil: outros meios devem ser empregados para atingir essa finalidade. El Abiodh Sidi-Cheikh 20/02/1948