quinta-feira, 28 de setembro de 2017

FM-09- NAZARÉ E VIDA RELIGIOSA




CAPÍTULO 4 DA PARTE 2


NAZARÉ, FORMA DE VIDA RELIGIOSA

(Genebra, 15/10/1950)


“O Padre de Foucauld afirmou sempre que sua vocação consistia em imitar a vida de Jesus em Nazaré.” Desde sua conversão esse ideal orienta seus passos, mesmo por etapas tão desiguais. Essa imitação do mistério de Nazaré, ele pretende fazê-la ser uma verdadeira forma de vida religiosa. Isso não era novidade: inúmeras Congregações Religiosas nasceram pela meditação da vida da Sagrada Família.

O ideal do Ir. Carlos é um ideal religioso verdadeiramente novo, mas só frutificou após sua morte. A pergunta que se faz é se não é muio estreito, por ter uma espiritualidade centrada exclusivamente na Vida de Nazaré, apenas um período da vida de Jesus, apenas preparação para a sua missão de Salvador.

A verdade é que mesmo ele não se limitou `q vida de Nazaré, como vemos em suas mediações do Evangelho, mas foi “configurado ao Cristo-Jesus, não apenas o operário de Nazaré, mas nos caminhos de sua vida errante, à procura doas ovelhas mais abandonadas, e sobretudo, em Sua agonia sobre a Cruz”.

Por esse motivo, é preferível não qualificar a espiritualidade dele de espiritualidade de Nazaré, a não ser nos primeiros anos.

Entretanto, o “mistério de Jesus operário, pobre, vivendo obscuro em Nazaré, exerceu uma influência determinante na escolha que teve que fazer de um estado de vida, assim como na elaboração do projeto de congregação religiosa, na qual pensou desde o começo”.

“Nazaré lhe inspirou uma nova forma de vida exterior, enquanto que sua espiritualidade se alimenta na plenitude do mistério de Jesus, ao qual se une através do Evangelho.”

Dois elementos parecem essenciais:

1º- O choque que ele levou, quando era o Irmão Maria Alberico, ao visitar uma pobre família operária muito mais pobre que os monges com quem ele vivia: “Que diferença entre essa casa e nossas habitações! Suspiro por Nazaré!” (escreveu ele ao voltar). Desde então, Nazaré passou a encarnar para ele um ideal de vida religiosa que deverá integrar, salvaguardando a pobreza real da habitação e do nível de vida, assim como a insegurança e o duro labor de uma vida operária. Tudo está ali em germe.” Isso foi expresso no regulamento de 1896.

Pensava em pequenos grupos. Em 1899, redigiu a contragosto um novo regulamento para conciliar os pontos problemáticos, principalmente na adoração perpétua do Santíssimo Sacramento, que necessita muitos monges.

Mais tarde, em Tamanrasset, volta à idéia de pequenas Fraternidades. “À luz da experiência, e talvez ainda mais, por uma razão de inserção no meio , do que numa finalidade da pobrezas.”

Entretanto, esse desejo de tal vida religiosa inserida num estado de vida que é a da maioria das pessoas, não trará confusão entre o estado religioso e a situação normal do cristão? Os meios não serão igualmente confusos?

A perfeição é uma realidade que todo cristão deve ter, por vocação batismal. ”O mistério de Nazaré é, por excelência, o modelo da vida cristã do leigo no mundo”, e entre as três, a que Jesus viveu mais (as outras duas: vida do deserto e a vida pública), e é à que ele chama o maior número de servidores, nas pessoas dos leigos. “Ora, essa é a vida que Ir. Carlos se sente levado a escolher entre todas.

2º- O segundo elemento essencial e original do ideal do Pe. De Foucauld é justamente a insistência de se viver a vida religiosa num estreito contato entre as pessoas, embora no início ele havia planejado a clausura, silêncio, retiro.

Contato esse marcado pela caridade crescente, familiaridade de uma amizade gratuita, fraterna. “Conseguiu viver mais misturado com as pessoas do que nenhum outro missionário”, generoso esforço de adaptação da inteligência e do coração. “Esse dom e essa constante disponibilidade são o fruto do amor e a consequência de um grande desejo de levar às pessoas uma viva presença de Cristo”.

O apostolado tem estes parâmetros: simples presença, amizade fraterna,o dom de si mesmo, conversas íntimas, o testemunho dado por toda a vida, enfim, tudo quanto o amor pode sugerir a um pobre que quer manter-se pobre, para fazer conhecer e amar o Senhor Jesus pelos seus irmãos que o rodeiam”. Esse é também o apostolado que estão ao alcance de todos os leigos!

Resumindo, estas são, pois, as duas características que fazem a originalidade da forma de vida inaugurada pelo Pe. De Foucauld:

-Ausência de organização comunitária tipo monástica

-Supressão de toda separação visível e exterior em relação às pessoas aos quais nos entregamos em disponibilidade total.


VIDA RELIGIOSA NA VIDA OPERÁRIA


A dificuldade de aclimatar as observâncias religiosas nessa vida operária no meio do povo: Que fazer? Conservar o ritmo de vida religiosa adaptando-se as observâncias? Mas isso provocará uma tensão interior prejudicial à paz das almas: os exercícios muitas vezes interrompidos, as observâncias que não podem ser mantidas, que perdem o verdadeiro valor que possuíam numa outra forma de vida religiosa. Certas regras de separação do mundo são impossíveis para nós.

Outra objeção seria o fato de que o desaparecimento de um mínimo de separação exterior implica em dizer que não há uma verdadeira vida religiosa, mas somente uma vida leiga cristã no mundo.

Será que um mínimo de separação e de observância é verdadeiramente um elemento essencial da vida religiosa como tal? Os movimentos leigos, como a Ação Católica produziram homens e mulheres cujo valor de vida interior é, às vezes, maior do que o de certos padres e religiosos.

O autor começa a falar, neste ponto, da problemática de atuação e testemunho da vida religiosa tradicional, com muitas crises, muitas vezes por falta de adaptação à realidade atual.

Lembra ele que muitos padres e religiosos aprenderam mais na guerra e nos campos de concentração e em outras ocasiões drásticas do que nos noviciados, mosteiros e conventos.

Pergunta o autor se não seria preferível encontrar uma expressão exterior de vida religiosa que fosse mais conforme à cultura da sociedade atual, baseando-se nas observâncias mais profundamente ligadas a autênticos valores espirituais.

Faz então um pequeno histórico da vida religiosa, altos e baixos, e a coragem exigida deles, a preocupação da Igreja em reconquistar as massa populares descristianizadas, e aí surgiu a Ação Católica, a falta de observância dos valores evangélicos, por parte de muitos religiosos, que confundem um pouco os leigos , as críticas feitas contra eles, e o fato de que não há santidade sem heroísmo e aí comenta esta frase:

“A proclamação da heroicidade das virtudes é a etapa preliminar obrigatória de toda canonização. Esse heroísmo deve suscitar particularmente o amor que é o elo de toda perfeição cristã.” Ora, o religioso, mais do que ninguém deveria praticar heroicamente as virtudes, diz ele. Esse autêntico espírito religioso inspirou todos os fundadores das grandes ordens.

Coloca, então, alguns pontos controvertidos de orientações que causaram problemas opostos, como por exemplo, para reconquistar par o Cristo um mundo paganizado até à medula, cristalizou-se as preocupações e os cuidados da cristandade nas atividades sociais de rendimento visível e no esforço de uma caridade eficiente, de tal modo que houve a diminuição do sentido do sagrado. Aí há a contestação de uma separação para Deus e, às vezes, até a legitimidade de uma existência simplesmente consagrada a Deus.

O julgamento do valor espiritual de um ato, nesse esquema, é feito pelo rendimento de atividade social e do serviço ao próximo. É claro que há nisso um erro, pois há um valor religioso profundo no voto que consagra a Deus. De fato, o viver em estado de castidade, pobreza e obediência, apesar de acarretr separações, pode ser realizado nos mais diversos estados de vida.

O Padre de Foucauld abriu-nos exatamente esse caminho novo, percorrendo-o primeiro: “participar até às últimas consequências do destino dos pobres trabalhadores, e manter-se bem perto das pessoas, a fim de ser para todos uma viva presença do Cristo.” É um novo tipo de vida religiosa!

A vida é orientada”num mesmo movimento de caridade para com o Cristo e para com as pessoas, ensinando-as a se servirem das dificuldades desta vida como de um meio de despojamento e de realização muito concreta da profissão dos três votos.

Houve um tempo em que a profissão monástica era considerado um dos únicos caminhos para a santidade, Muitos a buscaram nos primeiros séculos da cristandade, repetindo-se nos séculos antes e depois do século 17.

Hoje redescobriu-se a possibilidade de uma autêntica santidade no mundo, e os institutos seculares ilustram bem esse quadro, trazendo em suas constituições muitos elementos do nosso ideal de vida de Nazaré.


OS INSTITUTOS SECULARES


“Os institutos seculares diferem das congregações religiosas em dois pontos essenciais:

1- Apesar dos membros dos Institutos seculares se empenharem por votos ou promessas a observar a pobreza, a castidade e a obediência, esse compromisso não é considerado pela Igreja como um profissão pública;

2- Seus membros não levam, também, uma vida em comum.

“Postos de lado estes dois pontos, tudo o que o Papa expõe sobre o caminho da perfeição, próprio a estes Institutos, aplica-se perfeitamente às Fraternidades.”

Diz o documento motu próprio “Primo Feliciter, do Papa Pio XII;

“Esse apostolado dos Institutos Seculares deve ser fielmente exercido não somente no mundo, mas também, por assim dizer, por meio do mundo e, por conseguinte, por meio das profissões, das atividades, sob as formas, nos lugares e nas circunstâncias correspondentes a essa condição secular”.

Antes disso, lemos:

“ Não se deve cortar nada à perfeita profissão da perfeição cristã, baseada solidamente nos conselhos evangélicos e verdadeiramente religiosa quanto à sua substância, mas essa perfeição deve ser realizada e professada no mundo. Em consequência, é preciso adaptá-laà vida secular em todas as coisas lícitas e compatíveis com as obrigações e obras dessa mesma perfeição”.

O Pe. René Voillaume comenta, nesse ponto, que, com leves transposições, essas páginas dos dois documentos definem a espiritualidade do Pe. De Foucauld em seus traços essenciais:

1- A vontade de procurar numa vida comum nos mais diversos trabalhos, a prática efetiva dos três votos.

2- A preocupação de ser salvador através de toda a sua vida. “A vida inteira consagrada a Deus pela prática da perfeição deve ser convertida em apostolado”.

Carlos de Foucauld foi como que “torturado” pelo desejo da salvação das pessoas e por isso procurou as tribos abandonadas, passou horas de adoraçaõ diante da Hóstia do Salvador do mundo, no estudo das línguas, das conversas aparentemente inúteis, e muitas vezes sem resultados. Podemos dizer, pois, que toda a sua vida foi convertida em Apostolado! Ser Salvador, com Jesus. É a própria razão de ser do gênero de vida das Fraternidades.

Assim, os Imãozinhos consagrarão verdadeiramente a vida a Deus sabendo tirar o maior partido possível de todas as condições de abnegação, de todas as exigências de caridade que se lhes oferecerão quase a casa instante de nossos dias.

Encontrem a alegria do despojamento material na precariedade de suas vidas! Encontrem a renúncia aos egoísmos e caprichos na instabilidade do trabalho proletário, no cansaço das viagnes e nas estradas!

Há mitos que fazem isso, mas sem a fé no Cristo e sem a esperança que vocês têm!

A experiência da própria fraqueza e dos desfalecimentos não os deterão! Transpondo-os, vocês encontrarão a única misericórdia do Senhor, fonte de toda vida divina. Continuem, entretanto, a sempre aspirar à fuga de Jesus para a solidão para rezar, aproveitem todas as ocasiões para realizá-la, mesmo que haja impossibilidade de se reservarem instantes para si mesmos, por causa do trabalho e do apostolado.

“O regulamento de vida lhes deve ser um guia e um meio para realizar essa disponibilidade efetiva à oração. Se um tal caminho de perfeição foi solenemente reconhecido como sendo possível para os Institutos Seculares que não têm vida em comum, como não o seria com mais razão para nós,” que temos vida em Fraternidade, que nos dá uma força incomparável?

“ Se a Igreja reconhece a possibilidade de uma vida pobre, casta e obediente em todas as profissões e em todos os estados, reconhece-lo-á, com mais razão, na vida especialmente humilde e pobre, voluntariamente escolhida pelas Fraternidades.”



Nossa vida se situa à meia distância entre a concepção clássica da vida religiosa e à dos Institutos seculares. (Genebra, 15/10/1950)