quinta-feira, 28 de setembro de 2017

FM-05- A ORAÇÃO DOS POBRES

A ORAÇÃO DOS POBRES

(Escrito em Jerusalém, Jardim das Oliveiras, Sexta-feira, 27/07/1951).

“O que der a sua vida por amor ao Evangelho, a salvará” (Mc 8,35).



Pe. René Voillaume diz que nessa noite fora rezar na “obscuridade silenciosa e deserta do santuário de Getsêmani e se angustia com o pensamento da missão de oração das Fraternidades e da sua importância para cada Irmãozinho e Irmãzinha.” Como ele disse no capítulo anterior, nossa oração deveria ser a dos pobres. Dos que penam e sofrem. Escreve este capítulo nesse local.

Relata também algumas visita feitas a Irmãozinhos e Irmãzinhas que vivem na penúria, no Líbano, em Hmond, Jordânia, Beirut, no Saara (Nômades), os marítimos, os do Chile, que moram em favelas, chamadas lá de “Cogumelos” (Callampa).

Diz o padre: Suas cartas me mostram as suas dificuldades, constantemente renovadas, muitas vezes inexplicáveis, em que vocês se deixam envolver por uma caridade sincera para com os homens.

Sejam equilibrados nas atitudes! Em certos casos, ir ao heroísmo, na caridade, mas “Seria preciso também saber preservar as condições essenciais à vida dos irmãos”.

Algumas condições são necessárias para um mínimo de intimidade entre vocês, e outras pra que vocês se mantenham fiéis à sua missão de “permanentes na oração”. É dessa vida de oração que eu lhes falo nesta noite.

Neste loca privilegiado do Getsêmani, sinto em mim todas as dificuldades sentidas por vocês no caminho da oração, suas incapacidades, temores quanto ao presente e futuro, condições difíceis de vida, nas quais, muitas vezes, deve inserir-se a oração.

Desejaria também dar uma resposta às suas perguntas sobre a maneira de rezar.


ORAÇÃO: ESPERA E ESFORÇO


Cai a noite. Já não conseguindo ler, um irmão franciscano traz-me uma vela. O que eu tenho a lhes dizer sobre a oração é muita coisa, mas muito difícil de se exprimir. Seria preciso a experiência pessoal, “a experiência que o espírito de Jesus pode dar em intuições secretas das quais só Ele possui o segredo.” Suas palavras não foram suficientes para que os apóstolos aprendessem a rezar.

Aqui mesmo onde estou, os Apóstolos não souberam velar com Ele 1 hora, mesmo com mais de 2 anos de vida em comum com o Mestre! “O espírito é pronto, mas a carne é fraca. Vocês também são escolhidos por Ele! Meus ensinamentos não têm maior poder do que as palavras de Jesus!

Eu vou dizer o que é preciso fazer, e Deus poderá fazê-los percorrer. Abatimentos e incapacidades no momento da oração levam a perguntar se não há um misterioso método eficaz que mostre o verdadeiro caminho a seguir. Não, esse método não existe!

Jesus é o Mestre supremo da oração porque falou sobre ela com conhecimento de causa e pelo exemplo de sua vida: a oração perfeita, numa vida agitada e cansativa.

Jesus pode pôr em nossa inteligência, memória e coração o verdadeiro espírito de oração. “Ninguém poderá rezar enquanto o próprio Jesus não o tiver ensinado interiormente.

Os Apóstolos sempre dormiam durante as orações que Jesus fazia perto deles, como no Tabor e no Getsêmani, mas Jesus mesmo assim não desanimou.

E nós? A gente dorme em qualquer lugar! Acredito que até Jesus recobrava de dia ao sono de noites encurtadas pelo afluxo de visitantes ou pela oração das madrugadas. Um exemplo bem claro é que ele estava dormindo no barco! Veja Mc 4,38.

É preciso ir ao encontro do Espírito de Jesus e não só esperar sua visita, “esforçar-se pelo caminho estreito”, esforçar-se na oração, enquanto espera o Senhor para orar. É isso mesmo: esperar humildemente sua visita e nossa espera no esforço. Isso não é contraditório.


A ORAÇÃO AUTÊNTICA


Como encontrar condições para uma oração autêntica? Como praticá-la generosamente? Será isso possível?

Condições que dificultam: a fadiga, o barulho, a prostração de espírito por causa do esforço físico e penoso e prolongado do dia de trabalho, tanto de vocês como de milhões de trabalhadores.

Jesus convida todos à oração: “Vinde a mim todos os que estais cansados e oprimidos e eu vos aliviarei” (Mt 11,28-30)

Num primeiro momento atuam nosso pensamento, imaginação, emoções sensíveis. Num segundo momento, atuará “uma zona de nós mesmos, que se situa bem além da sensibilidade, das imagens, da reflexão”.

Simplifiquem e atualizem o encontro com Deus. No começo da vida de oração, que pode durar algum tempo, abram o Evangelho ou a Bíblia, não tanto para “meditar”, mas para se deterem nas palavras divinas, “lendo e relendo lentamente os versículos, sem análises, sem discussão com vocês mesmos, na tranquilidade, sem desespero.

A meditação não é essencial para a preparação para a oração. “Pode até tornar-se um obstáculo, como uma tela entre Deus e nós, uma estrada fácil demais que nos convida ao devaneio”. Aprendamos a chegar até Deus para além de qualquer idéia e sentimento!

O sentimento não é oração. Ele é inconstante e serve apenas para estimular o impulso da vontade do principiante. 

O VERDADEIRO AMOR RESIDE NA VONTADE.

Acreditemos firmemente nisto: “o que é verdadeiro na oração, o caminho de união a Deus, está além dos sentimentos, das palavras, das idéias”. Será que acreditamos que Deus possa de fato vir em nós para fazer nossa oração? Isso não é para um pequeno número de separados, no claustro.

A oração está além da reflexão e mesmo quem não pode meditar por causa das condições de vida, pode rezar.

Para vocês como para os pobres trabalhadores, não há condições de meditar.”Mas poderão, mediante a força de coragem perseverante, por atos de fé e de amor simples e despojados, colocar-se diante de Deus e esperá-lo, abrindo a ele o fundo do próprio ser, tal como ele é. Espera de sua vinda no desejo, mas sobretudo nesse sentimento de impotência, de miséria, de covardia”.

“O resultado será, muitas vezes, uma oração dolorosa, espessa, pouco espiritual em aparência”. Deus está no mais íntimo de nós. Nós temos somente a vontade para rezar. Deus a tornará uma verdadeira oração e um meio de união com ele. Para isso é preciso muita paciência.

Estejam convictos em “crer que esse caminho é bom, que há um atalho que leva à união na fé, e que Deus, sem vocês perceberem, virá fazer a oração de vocês”. Ainda não acreditamos bastante nisso!

Todos os amigos de Deus passaram por esse caminho! Apesar de tudo ser dom gratuito de Deus, Jesus disse: “Se alguém me ama, guardará minha palavra, e meu Pai o amará, e nós viremos a ele e faremos nele a nossa morada”.(João 14,23).

“Não tenham medo de perder-se nesse caminho, Vocês não devem ter medo de nada, contanto que nele perseverem com coragem!” Jesus não nos pediu outra coisa! Ele só recomendou a perseverança. Sempre a perseverança. E nós complicamos tudo.

Se perseverarmos , Ele fará o resto: “Pedi e vos será dado; buscai e achareis; batei e abrir-se-vos-á. Porque todo o que pede, recebe; o que busca, encontra e a quem bate abrir-se-á.”(Mt 7,7-8)

“Não procuremos outros métodos. Contentemo-nos com aquele que nos é indicado pelo Senhor. O Evangelho será sempre o código por excelência da oração dos pobres, pois tudo quanto está nele indicado fica ao seu alcance”,


A SINCERIDADE NA ORAÇÃO.


O ensinamento sobre a oração se resume, pois, nestes dois pontos essenciais:

1º- uma promessa de que Deus virá ao nosso encontro quando e como Ele quiser;

2º- um convite insistente à perseverança aconteça o que acontecer e apesar de todas as aparências desfavoráveis, é essa a nossa parte do trabalho.

“Para aprender a rezar é preciso simplesmente rezar, rezar muito, e saber recomeçar indefinidamente a rezar sem esmorecer, se não houver resposta” nem qualquer resultado aparente.

Não esperem ter vontade de rezar; seria deixar a oração num momento em que mais precisassem dela. É uma ilusão perigosa que pode nos afastar de Cristo. Desejar rezar já é um efeito da oração. Deus nos espera. Basta saber disso! Quanto menos rezarmos, menos desejo teremos de rezar.

Não esperar nada por si mesmo. É só para Deus que é preciso rezar, não para a satisfação própria, nem para ficar com a sensação de ter rezado bem. Não desejar nenhuma outra oração senão aquela que Deus nos dá.

No Pai-nosso não há nenhum pedido que nos dê uma satisfação pessoal ou um resultado imediatamente verificável.

É preciso, pois, muita coragem para rezar e perseverar na oração sem ver os frutos. “Não tenham medo de levar à oração ou trazer dela um sentimento de completo desgosto pelas suas fraquezas, pela suas faltas, pelas suas misérias. Ex: a oração do fariseu e do publicano. O publicano era humilde e consciente de suas faltas. Pode acontecer que a oração generosa traga-nos um maior sentimento de nossa própria incapacidade.

Sejam diante de Deus como realmente são e aceitem rezar como Deus lhes pede que façam, e não de outro jeito. Não usem livros! Perderiam seu tempo.

Trata-se simplesmente de estar presente diante de Deus, pelo desejo constantemente reajustado da vontade, e não pelo pensamento, pela imaginação ou pelos sentimentos.

Essa vontade muitas vezes se expressa simplesmente em estar ajoelhado diante do Tabernáculo. Isso bastará.

Ir à oração como à cruz. “Entreguem-se à oração para se perderem, e ficarão certos de realizar plenamente a vontade do Senhor.”

“Saibam esperar o encontro de Deus, mesmo que custe a vida toda, sem cessar de acreditar nele, e renovando cada dia essa espera. Isto é permanecer na fé, nas palavras do Senhor, e guardar a lâmpada provida de óleo.

Tudo isso deve ser feito na espera da visita divina.


REPOUSO E ATIVIDADE


Ritmo equilibrado entre os dois. Não abusar de um em detrimento de outro. O excesso de fadiga pode romper o equilíbrio nervoso do domínio de si mesmo. A agitação e o barulho contínuos alteram, com o tempo, o silêncio interior do coração.

“É necessário, pois, em intervalos regulares, tempos de reflexão sobre a fé, sobre o Evangelho, sobre si mesmo, a fim de não se iludir sobre suas próprias disposições íntimas.”

Retomar periodicamente momentos de calma física, de repouso, de silêncio exterior. O próprio Jesus respeitou essas exigências: fugas noturnas ou matinais ao deserto, para rezar em paz durante algumas horas ou levar ali seus apóstolos par um descanso de alguns dias.

Outro exemplo é o repouso semanal, desde a criação. A humanidade perdeu o sentido dessa lei divina. As pessoas não sabem mais parar suas atividades, acorrentadas umas às outras. “ Um ritmo periódico de repouso para o corpo e para a alma é uma obrigação que afeta a nossa consciência.”

Mas vocês têm de se esforças, no meio das exigências pesadas de seu trabalho no meio de trabalhadores, pois “ não nos poderemos manter aí senão depois de termos obtido o respeito às exigências essenciais à nossa vida de oração”. Temos que mantê-las com firmeza.


SUGESTÕES PRÁTICAS


Meio-dia de silêncio por semana, de leitura, de oração;


Dia mensal de retiro e de revisão de vida.


O retiro anual


o ritmo mais largo das sessões de estudos periódicos.


Dias periódicos em Fraternidades de adoração, previstos em intervalos mais ou menos longos

Para isso, organizar bem o tempo e descobrir um lugar de retiro: ir par um lugar diferente do que em que se vive, como na natureza, numa igreja, num mosteiro ou numa casa amiga silenciosa.

Fiquem firmes nesse princípio, apesar de algumas vezes acontecer com vocês o que acontecia com Jesus: “Pela manhã muito cedo levantou-se, e saiu para um lugar solitário, onde se pôs em oração. Foram à sua procura Simão, e os que com eles estavam. E depois de o encontrarem, disseram-lhe: todos te procuram!” (Mc 1,35-37)

DIFICULDADES


Alternâncias em duas direções de vida diametralmente opostas:

-por um lado, dias de trabalho, pesados por causa da fadiga, interrompidos a toda hora pelos que precisam de vocês, que os levarão a uma oração obscura, informe, até dolorosa, cujo valor de purificação e de união com Deus pela fé, agora vocês conhecem.

-por outro lado, horas de recolhimento mais prolongados, de silêncio, que os encontrarão meio inadaptados psicologicamente, pelo menos no começo. Isto é normal. Isso os obrigarão a um esforço espiritual no plano da leitura meditada e do aprofundamento da fé.

Dificuldades no silêncio interior, que vocês deverão se esforçar para superar.

Essa alternância de vidas diferentes é para vocês uma garantia de vida na fé.

Não fujam daquilo que cada uma delas lhes oferece, como reservas de despojamento e dom generoso. Isso evitará riscos inerentes a cada uma dessas formas de vida. Vocês ficarão a salvos de ilusões quanto à oração, à fé, ao amor de Deus e das pessoas.

Uma concepção falsa é a de que bastariam os dias de retiro como que para “armazenar” espiritualidade para os dias difíceis, como se fossem um reservatório, para nutrir os dias de trabalho. “Isto redundaria em recusar à vida de oração levada corajosamente em circunstâncias difíceis, um valor de crescimento no amor.”

A marcha para a união divina possui o período de trabalho e de fadiga no seu ritmo de vida.

Exercício e repouso = força de um corpo vivo.

“O repouso contínuo enfraquece o corpo, assim como o excesso de exercício o leva ao esgotamento. A alternância do repouso e do exercício é necessária ao desenvolvimento vital. O mesmo fato se dá com a nossa oração viva”.



A ação santificadora do Espírito de Deus se dá “nesse estado de expropriação de nós mesmos, no qual nos mergulha o esforço corajoso para rezar à noite de um dia extenuante, quanto por ocasião do repouso tranquilo de uma leitura meditada feita no limiar de um dia silencioso: um e outro são os dois elementos que garantem, ao abrigo das ilusões, o equilíbrio e o aprofundamento generoso de nossa vida para Deus.