quarta-feira, 19 de abril de 2023

DEPRESSÃO E SUICÍDIO NA IGREJA

(atualizado em 19/02/18 com uma carta de um padre da diocese de Brejo).


Depressão e suicídio na Igreja: quando os padres precisam de ajuda



“A dificuldade de relacionamento
entre os pares e a impossibilidade de falar de seus desafios pessoais com os leigos. Uma das razões do acometimento da depressão e síndrome de Burnout entre religiosos relacionam-se com variáveis internas, as pressões do ofício e também a imensa solidão destes sujeitos”, diz a especialista no atendimento de religiosos Dra. Luciana Campos (*).

16 de novembro de 2016: o padre Rosalino Santos, de 34 anos, pároco na cidade sul-matogrossense de Corumbá, publica no Facebook uma foto de quando era criança, legendada com frases soltas: “Dei o meu melhor“, “Me ilumine, Senhor“. Dois dias depois, o seu corpo sem vida é encontrado pendendo de uma forca.

Oito dias antes, o padre Ligivaldo dos Santos, de Salvador, se atira de um viaduto aos 37 anos de idade. Dentro do mesmo período de 15 dias, um terceiro sacerdote brasileiro dá fim à própria vida, com apenas 31 anos: o pároco Renildo Andrade Maia, em Contagem, Minas Gerais.

A sequência de suicídios de padres católicos chamou a atenção da mídia e voltou a ser abordado recentemente em uma relevante reportagem da BBC Brasil, que, a respeito desses casos, consultou o psicólogo Ênio Pinto, atuante há 17 anos no Instituto Terapêutico Acolher, em São Paulo. Desde que foi fundado, no ano 2000, o instituto voltado ao atendimento psicoterápico de padres, freiras e leigos a serviço da Igreja atendeu por volta de 3.700 pacientes.

Autor do livro “Os Padres em Psicoterapia“, Ênio observa que “a vida religiosa não dá superpoderes aos padres. Pelo contrário. Eles são tão falíveis quanto qualquer um de nós. Em muitos casos, a fé pode não ser forte o suficiente para superar momentos difíceis”.

Esta visão é compartilhada pelo psicólogo William Pereira, autor do livro “Sofrimento Psíquico dos Presbíteros“. Para William, “o grau de exigência da Igreja é muito grande. Espera-se que o padre seja, no mínimo, modelo de virtude e santidade. Qualquer deslize, por menor que seja, vira alvo de crítica e julgamento. Por medo, culpa ou vergonha, muitos preferem se matar a pedir ajuda”.

Os especialistas consultados pela reportagem da BBC indicam o excesso de trabalho, a falta de lazer e a perda de motivação entre os possíveis fatores que levam religiosos ao suicídio. De fato, uma pesquisa feita em 2008 pela organização Isma Brasil, voltada a estudar e tratar do estresse, já apontava que a vida sacerdotal era uma das ocupações mais estressantes: dos 1.600 padres e freiras entrevistados naquele ano, 448 (28%) se disseram “emocionalmente exaustos”, um percentual superior ao dos policiais (26%), dos executivos (20%) e dos motoristas de ônibus (15%).

Para Ana Maria Rossi, a psicóloga coordenadora da pesquisa, os padres diocesanos são mais propensos a sofrer de estresse do que os religiosos que vivem reclusos: “Um dos fatores mais estressantes da vida religiosa é a falta de privacidade. Não interessa se estão tristes, cansados ou doentes: os padres têm que estar à disposição dos fiéis 24 horas por dia, sete dias por semana”.

Muito distante da “vida mansa” que os desinformados imaginam, o dia-a-dia da maioria dos sacerdotes é pontuado por celebrações de batizados, casamentos, unções dos enfermos, escuta de confissões e muitas atividades pastorais que incluem a caridade e as atenções a pessoas necessitadas, além da celebração diária da Santa Missa, das orações pessoais ou comunitárias e dos tempos de estudo – sem mencionar os muitos casos em que o padre ainda dá aulas e atende os fiéis em direção espiritual.

Conforme os dados de 2010 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a média nacional é de 1 padre para cada 5.600 fiéis.

Diretor da Âncora, uma casa de repouso no Paraná para padres e freiras com estresse, ansiedade ou depressão, o padre Adalto Chitolina confirma que, para eles, “sobra trabalho e falta tempo. Se não tomar cuidado, o sacerdote negligencia sua espiritualidade e trabalha no piloto automático. Ao longo de 2016, a nossa taxa de ocupação foi de 100%. Em alguns meses, tivemos lista de espera”.

Um dos sacerdotes atendidos pelo centro Âncora foi o padre Edson Barbosa, de Andradina/SP, que, dormindo pouco, comendo mal e se sentindo irritadiço, começou a beber. Ao se dar conta do rumo que estava tomando, pediu dispensa das atividades paroquiais e se internou durante três meses na casa de repouso. Após as consultas médicas, palestras de nutrição e exercícios físicos que o ajudaram a trocar o álcool pelo novo hábito de fazer caminhadas e pedalar, o padre de 36 anos está sóbrio há um ano e nove meses e testemunha: “Não sei o que teria acontecido comigo se não tivesse dado essa parada. Demorei a perceber que não era super-herói”.

O padre Douglas Fontes, reitor do seminário São José, de Niterói, RJ, costuma alertar os futuros sacerdotes sobre a importância de cuidarem mais da própria saúde: “Jamais amaremos o próximo se antes não amarmos a nós mesmos. E amar a si mesmo significa levar uma vida mais saudável. Tristes, cansados ou doentes não cumpriremos a missão que Deus nos confiou”.

O bom conselho é reforçado pelo arcebispo de Porto Alegre, RS, dom Jaime Spengler, que preside a comissão da CNBB voltada à vida pessoal dos padres. Ele afirma que os sacerdotes devem pedir ajuda ao bispo quando sentirem tensão psicológica ou esgotamento físico: “Os padres não estão sozinhos. Fazemos parte de uma família. E, nesta família, cabe ao bispo desempenhar o papel de pai e zelar pelas necessidades dos filhos”.

O Brasil não é exceção no quadro de estresse que afeta os religiosos sobrecarregados. A universidade espanhola de Salamanca ouviu 881 sacerdotes do México, da Costa Rica e de Porto Rico para identificar uma alta incidência, entre eles, de transtornos relacionados à atividade sacerdotal: “Três em cada cinco experimentavam graus médios ou avançados de burnout, a síndrome do esgotamento profissional”, informa Helena de Mézerville, autora da pesquisa. O burnout é conhecido na Itália, entre alguns sacerdotes, como a “síndrome do bom samaritano desiludido”.

Mas os padres católicos estão longe de ser os únicos atingidos. A BBC também ouviu o xeque do Centro Islâmico de Foz do Iguaçu, PR, Ahmad Mazloum, para quem “é preciso satisfazer, de maneira lícita e correta, as necessidades básicas do espírito, da mente e do corpo. Caso contrário, estaremos sempre em perigoso desequilíbrio”. O rabino Michel Schlesinger, da Congregação Israelita Paulista, concorda e observa que “a natureza do trabalho é a mesma. Logo, estamos sujeitos aos mesmos riscos”.

Fiéis devem ficar atentos, julgar menos e ajudar mais

É oportuno lembrar aos leitores católicos que é dever cristão de todos nós zelar pelo bem das almas – e isto inclui a alma dos nossos sacerdotes, religiosos, seminaristas, freiras e leigos consagrados. Eles contam com especial graça de Deus, certamente, mas Deus sempre deixou claro que confia o acolhimento da Sua graça à nossa liberdade, inteligência e caridade: precisamos fazer a nossa parte por nós próprios e pelos outros, ajudando-os especialmente quando estão sobrecarregados e necessitados da nossa fraternidade. Devemos tomar em especial o cuidado de não cometer injustos julgamentos baseados na visão imatura de que “o que falta a esses padres é vida de oração“. Isto é um reducionismo que pode chegar a ser grave pecado de calúnia ou, no mínimo, maledicência. Mesmo as pessoas que vivem intensamente a fé e uma sólida espiritualidade estão sujeitas, sim, ao esgotamento físico e, portanto, à necessidade de ajuda. Se julgarmos menos e ajudarmos mais, viveremos com mais coerência o cristianismo que dizemos professar e que tanto gostamos de cobrar dos outros.

Diante do quadro depressivo, muita compreensão, sabedoria, respeito, amor e o apoio na busca de um profissional para tratar o depressivo.

Inácio José do Vale

Psicanalista Clínico


CARTA DO PADRE JAMES TEIXEIRA DA COSTA

Cuidar do padre humano

Entre o ano de 2017 a 2018 tivemos morte suicida de 17 padres no Brasil. A sequência de suicídios de padres católicos chama-nos a atenção aos vários motivos que os levaram a tirar a vida (...).

A vida religiosa não dá superpoderes aos padres: pelo contrário, eles são tão falíveis quanto qualquer leigo. Em muitos casos, a fé pode não ser forte o suficiente para superar algum momento difícil da vida. O psicólogo William Castilho, que vai estar em nossa diocese em julho deste ano, autor do livro “Sofrimento Psíquico dos Presbíteros“ destaca que: “o grau de exigência da Igreja é muito grande. Espera-se que o padre seja, no mínimo, modelo de virtude e santidade. Qualquer deslize, por menor que seja, vira alvo de crítica e julgamento. Por medo, culpa ou vergonha, muitos preferem se matar a pedir ajuda”.

 Além disso, eu destaco que o excesso de trabalho, a falta de lazer, a perda de motivação pastoral e a falta de fraternidade presbiteral, são possíveis fatores que podem levar os padres ao suicídio. Segundo os psicólogos, nós, padres diocesanos, somos mais propensos a sofrer de estresse do que os religiosos que vivem reclusos. Um dos fatores mais estressantes da vida religiosa é a falta de privacidade. 

Não interessa se estão tristes, cansados ou doentes: os padres têm que estar à disposição dos fiéis 24 horas por dia, sete dias por semana, férias nem pensar, passeio nem se fala, descansar não faz parte da vida do padre.

Meus caríssimos irmãos no sacerdócio, cuidemos mais de nossa vida, de nosso bem estar, como também de nossos trabalhos pastorais. Aconselho- vos que devem pedir ajuda ao bispo sempre quando sentirem tensão psicológica ou esgotamento físico: “Os padres não estão sozinhos. Fazemos parte de uma família.

 E, nesta família, cabe ao bispo desempenhar o papel de pai e zelar pelas necessidades dos filhos”. Não se afastem do convívio clerical (amigo de um padre é um outro padre); tire suas férias anuais; procure sempre fazer check-up médico; dar prioridades às suas horas de descanso; intensifique sua orações pessoais; peçam sempre orações aos seus fiéis, cuide de si e do outro também.

Que Deus abençoe nossa vida sacerdotal, nosso clero de Brejo, nosso bispo dom Valdeci, nós que somos esses homens comuns, no corpo e na alma, tão semelhantes a milhares de outros homens, mas que possuímos uma marca, um sinal, uma destinação honrosa e necessária para levar a salvação a todos que nos procuram! Homens acolhidos e ungidos por Deus!

Meus queridos padres, somos uma só família! 

Pe. James Teixeira da Costa - Diocese de Brejo